Projeto busca conscientizar crianças sobre abuso sexual

"Eu Tenho Voz na
Rede" será levado a escolas de São Paulo e Curitiba
Maria é apenas uma menina de
10 anos e quer revelar um segredo para sua avó: as visitas noturnas do namorado
de sua mãe ao seu quarto. Ela tenta primeiro falar com a mãe, depois com a tia,
por fim com sua avó, e todas, que já viveram situações parecidas com a da jovem
Maria, fazem vista grossa.
Para todas as Marias esse tema
é tabu e deve ser evitado. Em seus desenhos, em seus sonhos, Maria quer se
livrar dos abusos e, por fim, planeja ir morar no céu. Até que o seu desenho é
visto por uma professora que conversa com Maria, escuta sua estória e mostra a
ela uma Rede de Proteção para ser finalmente acolhida e protegida.
Essa é uma das histórias que
será levada pelo Instituto Paulista de Magistrados (Ipam), por meio do Projeto
Eu Tenho Voz na Rede, a escolas de ensino fundamental no estado de São Paulo e
em Curitiba (PR). Ao todo, serão quatro apresentações, gravadas em vídeo, com o
objetivo de sensibilizar crianças e adolescentes sobre a violência e o abuso
sexual, e capacitar os professores e demais agentes da comunidade escolar para
lidar com o problema.
O projeto, que já existia
desde 2016 de forma presencial com o nome Eu Tenho Voz, foi agora adaptado para
ser exibido de forma remota e será lançado no próximo dia 24. A intenção é que
as peças de teatro, criadas pela Cia NarrAr Histórias Teatralizadas, antes
feitas nas próprias escolas, sejam agora assistidas pelos estudantes e
professores e que, após a exibição, sejam feitas conversas e debates virtuais.
As escolas serão escolhidas
junto com as secretarias de Educação, sendo priorizadas aquelas consideradas
mais vulneráveis. Para que as crianças e adolescentes sintam-se mais seguros
para denunciar abusos, as ações serão feitas em escolas que já retomaram as
aulas presenciais.
“O que a gente faz é estimular
e oportunizar a denúncia. No momento que a criança tem aquilo guardado com ela
há muitos anos e percebe que não é só dela, que isso acontece com outras
pessoas, com outras crianças, e que existe a rede de proteção e que pode se
valer disso, ela se sente estimulada a denunciar”, diz a presidente do Ipam,
Tânia Mara Ahualli, que é juíza titular da 1ª Vara de Registros Públicos, de
São Paulo.
O Projeto Eu Tenho Voz na Rede
vai oferecer também capacitação a professores, de forma remota. “Esse fator é
muito importante porque nem sempre a criança denuncia após a apresentação [das
peças de teatro]. Muitas vezes, ela vai amadurecer aquilo por uma semana. Os
amigos, que normalmente sabem o que está acontecendo, vão dar uma força para a
criança procurar ajuda e ela vai acabar procurando ajuda com um professor que é
mais próximo dela e com quem ela sente maior elo de segurança. É indispensável
que esses professores estejam preparados para acolher essa vítima, colher essa
denúncia para encaminhar”, diz a idealizadora e coordenadora do projeto, juíza
Hertha Helena Rollemberg Padilha de Oliveira, que é 2ª vice-presidente do Ipam.
Hertha explica que o projeto
surgiu em 2016 para tentar prevenir uma violência que é frequente na sociedade.
Segundo o Ipam, foram feitas, em 2019, 76.216 denúncias pelos canais do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Somente nos primeiros
quatro meses de 2020, as violações contra crianças e adolescentes tiveram
28.045 denúncias recebidas por meio de ligações telefônicas, incluindo relatos
de negligência e violência psicológica, física e sexual.
O Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 76% das
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual conhecem seu agressor e, na
maior parte dos casos, é uma pessoa da própria família. Além disso, revela que
42% dos casos são recorrentes. Apenas 1% dos casos de abuso contra crianças e
adolescentes chega até a Justiça.
Pandemia
Com a pandemia do novo coronavírus e o fechamento das escolas, o projeto acabou sendo suspenso. “Quando ocorreu a pandemia, obviamente ficamos angustiados. Sabemos que cerca de 80% [dos casos de abuso] ocorrem dentro das próprias casas, com pessoas próximas às crianças. Na situação em que a vítima fica trancafiada em casa com o possível abusador, e a gente sem a possibilidade de chegar até esses locais para prestar algum tipo de auxílio ou poder tirar a criança, a escola estar fechada foi muito angustiante”, diz Hertha.
Segundo a juíza, há um
“apagão” de dados de abuso de crianças e adolescentes durante a pandemia. O
número de denúncias não foi atualizado por órgãos oficiais. O Ipam chegou a
modificar o site do Eu Tenho Voz para facilitar o recebimento de denúncias, mas
não chegou a receber nenhuma nos últimos meses.
As juízas explicam que as
situações são delicadas, porque muitas vezes envolvem familiares e, para contar
o que acontece, as crianças precisam estar em ambientes seguros, que acabam sendo,
muitas vezes, as escolas.
Quem está passando por essa
situação ou mesmo quem sabe ou suspeita que crianças e adolescentes estejam
sofrendo algum tipo de abuso podem fazer as denúncias no site do Eu Tenho Voz,
pelo telefone (11) 3105-9290, pelo e-mail: eutenhovoz@ipam.com.br, ou pelos
demais canais de denúncia governamentais disponíveis na própria plataforma do
projeto: Disque 100, 181 e 190.
Edição:
Graça Adjuto
Publicado em 22/02/2021 -
07:11 Por Mariana Tokarnia - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro